6 Plural
O plural de vocábulos compostos é área em que as opiniões dos gramáticos não raro conflitam, especialmente quanto a plurais de substantivos compostos, espelhando a realidade da língua, em que usos díspares se abonam entre bons escritores. Várias das regras abaixo coligidas têm o consenso dos especialistas, mas mesmo nos casos em que determinada norma é percentualmente bem-aceita entre estes, ocorrem exceções de registro. Aqui abaixo, foram reunidas algumas regras extraídas de textos de gramáticos e filólogos portugueses e brasileiros que abarcam algumas das dúvidas mais comuns quanto ao plural de tais palavras. Foram instruções que passamos aos nossos redatores para utilização, mas também estes flutuaram no estabelecimento de plurais de palavras compostas através do dicionário. Tal texto fica aqui a dispor dos consulentes deste dicionário, com o fito eventual de servir de dado de discussão e como recurso de sugestão e uso de regras, não se deixando de nele referir as discrepâncias e exceções encontradas entre os gramáticos e dicionaristas, quando isso foi identificado.
6.1 Nos compostos de substantivo + adjetivo (ou vice-versa), os dois elementos em geral flexionam-se:
água-marinha : águas-marinhas
fogo-fátuo : fogos-fátuos
vitória-régia: vitórias-régias
amor-perfeito : amores-perfeitos
cabra-cega : cabras-cegas
guarda-civil : guardas-civis
lugar-comum : lugares-comuns
salário-mínimo : salários-mínimos
joão-barbudo : joões-barbudos
joão-bobo : joões-bobos
joão-congo : joões-congos
gentil-homem : gentis-homens
segunda-feira : segundas-feiras
Exceções e discrepâncias
segundo Rebelo Gonçalves:
padre-nosso : padre-nossos
segundo Evanildo Bechara:
padre-nosso : padre-nossos e padres-nossos
segundo Bechara, Aurélio, Rebelo Gonçalves:
lugar-tenente : lugar-tenentes
segundo Bechara:
salvo-conduto : salvos-condutos e salvo-condutos
(as palavras carta-bilhete, decreto-lei e fruta-pão podem não fazer parte deste grupo, incluindo-se, no item 6.3, abaixo)
6.2 Nas palavras compostas por dois substantivos, salvo casos especiais (por
exemplo, aquele em que um é determinante do outro), ambos flexionam-se:
gato-sapato : gatos-sapatos (Aurélio registrou como segundo plural gatos-sapato)
pai-joão : pais-joões (Rebelo Gonçalves não registrou plural para esta palavra, dando-a, assim, como invariável)
pai-mãe : pais-mães
pai-luís : pais-luíses
maria-farinha : marias-farinhas
6.2.1 Se ambos os substantivos são antropônimos, a regra é a mesma:
joão-pinto : joões-pintos
maria-condé : marias-condés
6.2.2 Se um desses substantivos já tem um -s, só o outro se flexiona (regra inferível em Rebelo Gonçalves; seria o preferível atribuir um plural apenas para tais palavras):
maria-gomes s.f. : marias-gomes
joão-gomes s.m. : joões-gomes
joão-mendes : joões-mendes
joão-dias : joões-dias
joão-fernandes : joões-fernandes
6.3 Nos compostos de dois elementos substantivos unidos por preposição, por exemplo, de, a, para, (ou com esta subentendida), só o primeiro elemento toma, em regra, a flexão de plural:
pé-de-moleque : pés-de-moleque
mula-sem-cabeça : mulas-sem-cabeça
óculo-de-ver-ao-longe : óculos-de-ver-ao-longe
joão-de-barro : joões-de-barro (mas Rebelo Gonçalves
registra também, neste caso, joões-de-barros)
Donde:
café-concerto : cafés-concerto
(com ou de)
cavalo-vapor : cavalos-vapor (a)
navio-escola : navios-escola (para)
cê-cedilha : cês-cedilha (com)
filho-família : filhos-família (de)
padrão-ouro : padrões-ouro (de)
salário-família : salários-família (de)
(Café-concerto e navio-escola poderiam encaixar-se perfeitamente no item 6.4, que se segue, mas há áreas de superposição na matéria, e como a regra é comum para ambas, isso importa pouco.) Discrepância: além do estranho segundo plural joões-de-barros, Rebelo Gonçalves registrou como invariável maria-das-pernas-compridas, cuja regra de pluralização deve ser a deste item 3: marias-das-pernas-compridas. Pai-de-todos também é registrado por Rebelo Gonçalves como invariável (assim como uma série destas palavras, mas sem motivo inferível).
6.4 É muito semelhante o caso dos compostos de dois substantivos em que o segundo elemento faz de determinante ('elemento, numa palavra composta, que encerra uma noção particular do outro elemento, ou que aponta uma semelhança formal sua ou lhe determina uma finalidade, ou ainda restringe o seu significado'), caso em que também só o primeiro substantivo se flexiona:
aço-liga : aços-liga
laranja-lima : laranjas-lima
manga-rosa : mangas-rosa
peixe-boi : peixes-boi
idéia-mãe : idéias-mãe
operário-padrão : operários-padrão
escola-modelo : escolas-modelo
solução-chave : soluções-chave
carro-chefe : carros-chefe
banana-prata : bananas-prata
Obs.: a) Nem sempre
é fácil determinar se o segundo substantivo faz de determinante
do primeiro; parecem estar neste caso decreto-lei : decretos-lei e carta-bilhete
: cartas-bilhete, mas os gramáticos pendulam entre o sim e o não
nesse reconhecimento, havendo também registrado decretos-leis e
cartas-bilhetes (Bechara, por exemplo). Em caso de dúvida razoável,
mais prudente será considerar plural duplo para a palavra. Parece-nos
que o plural de fruta-pão (tanto como no caso de laranja-lima) é
frutas-pão, mas Bechara registra frutas-pão e fruta-pães.
b) Outros casos em que há dissensão: guarda-marinha : guardas-marinhas
(mas Bechara registra também guardas-marinha e opina, em nota
de rodapé, que não há razão para se rejeitar o plural
guarda-marinhas).
c) As seguintes palavras, em que o segundo elemento é um determinante,
são apontadas como exceções, pois flexionam ambos os elementos
do composto: mestre-sala : mestres-salas, mestre-escola : mestres-escolas
e mestre-vela : mestres-velas (este último plural abonado em Almeida
Garrett, Um Auto de Gil Vicente, ato 1, cena 3 - fala de Pêro a
Bernardim).
d) O determinante pode ser mais de uma palavra, permanecendo sempre invariável:
joão-corta-pau :
joões-corta-pau
joão-mede-léguas : joões-mede-léguas
6.5 Quando a uma palavra composta por dois substantivos justapostos, sendo o segundo o determinante do primeiro, agregar-se um adjetivo, só o elemento determinante permanece invariável - regra que não consta das gramáticas:
gavião-pombo-grande : gaviões-pombo-grandes
6.6 Quando a palavra é composta de elementos repetidos, é o último que toma o plural:
reco-reco : reco-recos
tico-tico : tico-ticos
6.6.1 Se houver leve alteração num desses elementos, a regra permanece a mesma:
zigue-zague : zigue-zagues
tique-taque : tique-taques
6.7 No caso de substantivos formados pela repetição de um elemento de origem verbal, dois plurais são registráveis - flexionando apenas o último elemento e flexionando os dois. (O recurso de não pluralizar o primeiro elemento é de pronúncia mais simples, pois não cria embaraços fonéticos, mas é preciso registrar o outro, duplo, uma vez que também há abonações desse uso em autores e gramáticos de peso.)
corre-corre: corre-corres
: corres-corres
pisca-pisca : pisca-piscas : piscas-piscas
ruge-ruge : ruge-ruges : ruges-ruges
muge-muge : muge-muges : muges-muges
chupa-chupa : chupa-chupas : chupas-chupas
luze-luze : luze-luzes : luzes-luzes
bule-bule : bule-bules : bules-bules
Exceções: segundo Rebelo Gonçalves, dói-dói só tem um plural: dói-dóis
6.7.1 Se as duas palavras estão aglutinadas, como no caso de dodói, só um plural obviamente existe, com a flexão do "segundo termo": dodóis.
6.8 Se os dois elementos são verbais, mas não há repetição e sim oposição, só o segundo elemento flexiona:
vai-volta : vai-voltas
Exceções
e discrepâncias: a) Alguns gramáticos dão perde-ganha
como invariável; registramo-lo como s.m., dando como pl. perde-ganhas,
mas com tal ressalva.
b) Alguns autores antigos, como Amador Arrais (1589) e Diogo do Couto (sXVI-XVII),
pluralizaram vaisvens, mas este plural é de caráter
fortuito na língua.
6.8.1 Se os dois elementos verbais são unidos pela partícula aditiva e, só o último elemento se flexiona:
vai-e-vem: vai-e-vens
Exceções e discrepâncias: o vocábulo leva-e-traz permanece inalterável. (Se seus elementos componentes estivessem invertidos, traz-e-leva, o segundo elemento levaria -s no plural; parece que aqui a palavra permaneceu invariável por sua sibilante final -z coincidir foneticamente com o -s dos plurais normais.)
6.9 Nos compostos de origem onomatopaica, só o segundo termo flexiona:
reco-reco : reco-recos
tique-taque : tique-taques
6.10 Se o primeiro elemento de uma palavra composta é um verbo e o segundo, um substantivo ou um adjetivo, só o segundo elemento flexiona:
bate-boca : bate-bocas
lança-perfume : lança-perfumes
guarda-chuva : guarda-chuvas
guarda-roupa : guarda-roupas
tapa-miséria : tapa-misérias
6.10.1 Se o elemento verbal é o segundo, a regra mantém-se:
morte-fuge : morte-fuges (registra Rebelo Gonçalves)
6.10.2 Se houver
dois elementos verbais seguidos e um substantivo em seqüência, também
só o último elemento flexiona:
pega-pega-mosca : pega-pega-moscas
6.11 Se o primeiro elemento de um composto for uma palavra invariável e o segundo, um substantivo ou um adjetivo, também só o segundo elemento ganha o -s no plural:
abaixo-assinado : abaixo-assinados
vice-presidente : vice-presidentes
alto-falante : alto-falantes
ave-maria : ave-marias
6.11.1 Assim, as palavras compostas com os elementos grão/grã, ex-, dom, são, bel + substantivo, só o segundo termo ganha -s:
grão-duque : grão-duques
grã-cruz : grã-cruzes
ex-diretor : ex-diretores
grã-duqueza : grã-duquezas
são-miguel : são-miguéis
dom-rodrigo : dom-rodrigos
dom-filipe : dom-filipes
bel-prazer : bel-prazeres
6.12 Quando, num composto, um dos elementos é uma palavra invariável e o outro, um verbo, a palavra composta é de dois números:
pisa-mansinho s.2n.
bota-fora s.2n.
ganha-pouco s.2n.
cola-tudo s.2n.
Discrepância: Gonçalves Viana admitiu bota-foras
6.13 Nos compostos de três ou mais elementos, não sendo o segundo uma preposição, só a última palavra flexiona:
bem-te-vi : bem-te-vis
6.14 Quando se trata de frase substantiva, a palavra não varia no plural:
maria-vai-com-as-outras
s.2g.2n.
maria-faz-angu s.f.2n.
maria-já-é-dia s.f.2n.
maria-é-dia s.f.2n.
6.15 Nos compostos de gentílicos, varia apenas o segundo elemento:
lagoa-santense : lagoa-santenses
6.16 Os compostos
de dois substantivos unidos pelo conectivo e podem ficar invariáveis
no plural ou não. Não há regra escrita sobre eles e as
soluções variam. Aurélio dá arco-e-flecha como
substantivo 2n., mas registra ponto-e-vírgula, quarto-e-sala e
sala-e-quarto com dois plurais, flexionando só o último elemento
e flexionando ambos os substantivos. Aqui a questão é considerar
o sintagma como formador de uma unidade fossilizada ou, pelo contrário,
pensar que seus elementos têm vida autônoma, não constituindo
uma unidade em si.
Pelo primeiro critério, os conceitos arco-e-flecha e ponto-e-vírgula
não variariam no plural: os arco-e-flecha, os ponto-e-vírgula,
ou variaria apenas seu último elemento: os arco-e-flechas e os
ponto-e-vírgulas.
Pelo segundo critério, ambos os elementos substantivos se flexionariam
no plural: os arcos-e-flechas, os pontos-e-vírgulas, os
salas-e-quartos, os quartos-e-salas.
No caso de verde-e-amarelo, registramos como adjetivo o plural verde-e-amarelos
e como substantivo, o plural verdes-e-amarelos.
Por não estar a regra estabelecida, uma vez que não se fez levantamento
na língua para apurar abonadamente as soluções de pluralização
utilizadas pelos escritores de maior projeção, o melhor seria
considerar a possibilidade de um plural múltiplo para tais casos, fazendo
uma ressalva sobre o caso.
6.17 A palavra fã-clube, por se tratar da adaptação
do sintagma inglês fan club, em geral segue a regra inglesa no
plural: fã-clubes.
6.18 Os nomes cuja forma é um plural morfológico, mas que
semanticamente podem denotar uma única unidade (pluralia tantum)
- como ocorre em calças, cuecas, ceroulas, bombachas,
encóspias - , e as palavras terminadas por -s expressivo
- como ocorre em traquinas, valdevinos, choramingas, beldroegas
- têm entrada autônoma no dicionário.